segunda-feira, 19 de março de 2012

O menino e a onça Em 1980, o INCRA tava dando terra pro povo, só que era num lugar longe, na bacia do vale do Jamari, pelo projeto de assentamento machadinho, onde hoje é Machadinho, do Oeste, lugar de muita mata fechada e muita gente chegando pra trabalhar no seu pedacinho de chão (mato). Uma família recém chegada do Paraná, naqueles ônibus minúsculos da Eucatur, do Sr. Assis Gurgacz. Mais de uma semana de viagem, pois a estrada era terra pura e o asfalto não chegava ainda nem em Cuiabá, barreiros sem fim onde os passageiros tinha que descer do ônibus e empurrar até desatolar, quando não encalhava no areião sem fim! Quando alguém queria tira água do joelho, berrava La do fundo pro motorista parar e era uma revoada de gente que desaparecia no meio das moita, ooô vida sofrida naqueles tempo! Joaquim, um garoto de 4 anos de idade, recém chegado a machadinho, vivia com seus pais num barraquinho feito de coqueiro lascado, chão batido, encerrado com barro branquinho que sua mãe trazia da cacimba e passava no chão do barraco coberto de folha de coqueiro, com 3 tarimbas onde dormiam a noite, uma cozinha com fogão a lenha feito de barro, onde a noite com madrugadas muito frias por causa da mata, se ouvia os esturros de onça que dechava a cachorrada com o rabo arrepiado, até grilo parava de fazer zoeira, acho que de medo dela. Enquanto o pai de Joaquim derrubava mato pra plantar milho, sua mãe lavava roupas no corguinho perto do rancho, plantava mandioca, colhia algumas frutinhas no mato enquanto o menino ficava no barraco na companhia de bilú e bilú os cachorro de caça da família! A noitinha ia chegando e a chuva junto, e foi madrugada adentro, o pessoal escapando de algumas goteiras, por causa do telhado de folha de coqueiro feito as pressa pra poder se abrigar. No dia seguinte, se via as pegadas marcadas no barro do terreiro, sinal de que a onça tava espreitando o barraco. O pai de Joaquim pensou que fosse por causa das poucos galinhas que tinham, então correu e fez um galinheiro reforçado para proteger os bichos. Certa noite, foram visitar uns vizinhos, prosear com a vizinhança e saber como andava as derrubadas e no dia seguinte, percorrendo o picadão, viu que logo encima dos passos deixados por eles na noite passada, estava a marca de passos de onça, dava arrepio ouvir, medo, parecia que a gente ia ser devorado pela fera a qualquer momento. Certa noite, o pai acordou de madrugada assustado, pois ele sentia cheiro de onça, os cachorros latiam muito bravos, e a onça deu um esturro muito forte, pertinho do barraco, ele ligou a lanterna, pegou a 16, saiu pra fora e mandou fogo com a espingarda na direção do esturro, e então ouviu galhos secos sendo quebrados, quando ela assustada saiu na carreira mata adentro! Saíram todos logo cedinho, o pai pra derrubada e a mãe buscar água na cacimba e Joaquim ficou dormindo. A mãe, já meio cansada, voltou sem pressa, com a lata d´agua encima duma rodía em sua cabeça. Chegando perto do barraco, bilú e pitú que estavam com ela, pararam, assustados, arredios, como que procurando alguma coisa, saíram no faro, mas logo voltaram. Quando chegou na porta do barraco, estava aberta com marcas de aranhado, desesperada gritou por Joaquim, que não respondeu. Dentro do barraco ele não estava, encontrou apenas um pé do sapato que ele gostava de usar e umas pequenas manchas de sangue que iam até a mata. Desesperada, correu chamar o pai do garoto que avisou a vizinhança, deram buscas pela região mas nada encontraram, além do faro dos cachorros que tinham pega a direção que ela se foi. Os vizinhos, todos armados e com seus cachorros, foram atrás, sendo o faro da cachorrada, chegando a noite, e nada de encontrar, dormiram em volta de uma fogueira no meio do mato, sem comida, apenas com a razão de encontrar a criança, prosseguindo as buscas no dia seguinte. No terceiro dia de busca incansável, encontraram uma pista que dechou todos animados, o outro sapatinho do garoto, sinal de que ele estava vivo, pois a onça estava fugindo dos cachorros e caçadores, não devia ter tido tempo de devorar o medo, ao menos o corpinho dele, tinha chance de ser encontrado. Com o coração cheio de esperança, todos os caçadores partiram atrás da onça, seguindo o faro da cachorrada, não tinha fome, sede ou chuva que os fizesse desistir de encontrar Joaquim. No final do dia, o sol quase a pino, alcançaram os cachorros, que latiam muito bravos, escuraçando a onça, que tinha subido encima de uma arvore, acuada e sem saída e suja de sangue. Todos apontaram suas armas, e em homenagem ao garoto, contaram até três e atiraram... O corpo de Joaquim não foi encontrado, então o corpo da onça foi enterrado em sua lugar.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Tomba

Tomba Pois é, a estória desse cachorro aconteceu em 1975, quando uma terra quase desabitada, chamada Colorado do Oeste, mais ou menos há uns 100 quilômetros de Vilhena, não tinha estrada e sim, mal apenas uma picada para chegar até ela ou então, era de avião mesmo, uns teco tecos caindo aos pedaços que eram muito usados nessa região naquela época! Eu tinha um cão, tão vira-latas que lhe dei o nome de Tomba (Tomba-Latas) e tinha que viajar àquela terra inóspita e como por terra era só pela mata, demoraria muito, optando pelo transporte aéreo (teco-teco). Pista era tão pequena que para o aviãozinho levantar vôo, era necessário amarrar uma corda no rabo do avião e num toco, deixado ali providencialmente para ajudar os aviões a alçar vôo sem se arrebentar nas arvores do final da pista, então, quase morri de medo quando vi aquela tramóia, Tomba, alguns passageiros e eu dentro do teco-teco, o motor roncando no Maximo, quando um peão pegou uma machado e pau na corda, o avião saiu todo louco, bambeando de um lado pra outro, quase arrastando as asas no chão batido e esburacado da pequena pista, um sufoco danado, a pista acabando e o trem não saia do chão, quando até enfim o bicho deu um esturro feito onça braba e saiu do chão num sopapo só, e Tomba, vendo aquela presepada toda, tinha até me esquecido do meu fiel companheiro que tava todo arrepiado, embaixo do banco, mijado, encolhido e fazendo cain cain... Passado o susto da decolagem, também tinha esquecido que estava na região norte, em Rondônia, e era a época das chuvas, só lembrei desse detalhe quanto começou a chover, o céu escureceu, relâmpagos estouravam para todos os lados, o avião parecia uma gangorra balançando, chacoalhando, parecia que o mundo ia acabar de novo, em dilúvio, ou que aquela coisa ia despencar com a gente dentro. Fora os trovões, só se ouvia canhanhãe e canhanhãe do corajoso cachorro e as reza dos outros passageiros, pedindo pra que Deus os recebesse no paraíso, pois esperança de sair dali vivo ninguém tinha. Foi um Ave Maria, Deus nos Acuda, até o piloto, assustado de olhos arregalados virar pra traz e falar, -Pode parar de Rezar que cabamo de sair do temporal! Que alivio, não foi naquele dia o encontro com o Criador. Depois de alguns solavancos, sobe e desce, barulhos, bagagens espalhadas pelo avião, pensando que o sofrimento e medo tinha acabado, o piloto apontou para meia dúzia de barracos cobertos de folhas de coqueiro, entre dois morros e disse que Colorado do Oeste era ali e a pista de pouso era exatamente aquela estradinha feita a enxada entre os dois morros. Que medo, o avião tocou o chão no final do primeiro morro e só parou encima do segundo morro, quando, assustados e de cabelos em pé e fedendo a mijo e a merda de cachorro, descemos para desbravar Colorado do Oeste!